Anteontem,
dia 21 de junho, o Papa Francisco enviou uma
videomensagem ao VI Congresso
Mundial Contra a Pena de Morte(1), em andamento em Oslo, na Noruega, na qual, dentre outras afirmações,
ele diz :
“A pena de morte é inadmissível, por mais grave que tenha sido o delito do condenado. É uma ofensa à inviolabilidade da vida e à dignidade da pessoa humana que contradiz o desígnio de Deus sobre o homem e a sociedade e sobre a justiça misericordiosa, e impede cumprir qualquer finalidade justa das penas. Ela não faz justiça às vítimas, mas incentiva a vingança. O mandamento "Não matarás" tem valor absoluto e abrange tanto os inocentes e os culpados.
O Jubileu da Misericórdia é uma ocasião propícia para promover no mundo formas cada vez mais maduras de respeito pela vida e a dignidade de cada pessoa. Não se pode esquecer que o direito inviolável à vida, dom de Deus, pertence também ao criminoso.
“Fazer justiça” não significa que se deva buscar a punição por si mesma, mas que as penas devem ter como finalidade fundamental a reeducação de quem praticou o delito. A questão deve ser enquadrada na ótica de uma justiça penal que esteja aberta para a esperança de reintegração do condenado na sociedade.”
Esta
não é a primeira vez que o Papa se manifesta sobre esse assunto. Em
21 de fevereiro de 2016, segundo a Rádio Vaticana (2),
o “Papa apelou a consenso internacional contra a pena de morte”,
destacando “os
sinais de esperança que se têm desenvolvido, na opinião pública,
de uma crescente oposição à pena de morte” e “recordando que
as sociedades modernas têm a capacidade de lidar com o crime sem
remover permanentemente a quem o tenha cometido uma ‘chance’ de
se redimir. “
Em
outra ocasião, em março de 2015, em carta ao presidente da Comissão
Internacional contra a Pena de Morte(3),
ele
expressou seu pensamento sobre as penas de morte disfarçadas, como a
prisão perpétua, “que não privam o culpado da liberdade mas sim
da esperança” e disse que “os Estados podem matar por ação
quando aplicam a pena de morte, quando levam seus povos à guerra ou
quando realizam execuções extrajudiciais ou sumárias”. E “podem
matar também por omissão, quando não garantem a seus povos o
acesso aos meios essenciais para a vida”. Também, se
posicionou a favor da vida: “A vida, especialmente a humana,
pertence unicamente a Deus. Nem sequer o homicida perde a sua
dignidade pessoal e o próprio Deus faz-se seu garante. Como ensina
santo Ambrósio, Deus não quis castigar Caim com o homicídio,
porque deseja o arrependimento do pecador e não a sua morte (cf. 5).
“
Um
ano antes, em 30 de maio de 2014, o Papa Francisco manifestou-se na Carta aos participantes do XIX
Congresso Internacional de Direito Penal e III Congresso da
Associação Latino-Americana de Direito penal e Criminologia.(4) Na
ocasião, ele citou como os discípulos de Jesus dos primeiros tempos
cristãos apoiavam e acompanhavam os que sucumbiam sob o peso do
pecado e do mal. E enfatizou 3 elementos que foram constantes desde
então: a satisfação ou reparação do dano causado, a confissão e
a contrição; fazendo um paralelo com aspectos socioeconômicos da
atualidade. Escreveu, ainda, que o grande desafio era o de que as
medidas adotadas contra o mal não se contentassem com “reprimir,
dissuadir e isolar quantos o causaram” mas que os ajudassem também
a meditar, a percorrer as veredas do bem, a serem pessoas autênticas
que, longe das suas misérias, se tornassem elas mesmas
misericordiosas.”
Além
de Papa Francisco, São João Paulo II e Papa Bento XVI também já se
manifestaram sobre esse assunto:
João
Paulo II explica na Encíclica EVANGELIUM
VITAE(5)
que:
“O preceito relativo à inviolabilidade da vida humana ocupa o centro dos “ dez mandamentos “ na aliança do Sinai (cf. Ex 34, 28). Nele se proíbe, antes de mais, o homicídio: “ Não matarás” (Ex 20, 13), “ não causarás a morte do inocente e do justo “ (Ex 23, 7); mas proíbe também — como se explicita na legislação posterior de Israel — qualquer lesão infligida a outrem (cf. Ex 21, 12-27) (…) esta mensagem, que o Novo Testamento levará à perfeição, é já um forte apelo ao respeito pela inviolabilidade da vida física e da integridade pessoal, e tem o seu ápice no mandamento positivo que obriga a cuidar do próximo como de si mesmo: “ Amarás o teu próximo como a ti mesmo”“
Nessa
mesma Encíclica, em relação à pena de morte, João Paulo II
afirma:
“Nesta linha, coloca-se o problema da pena de morte, à volta do qual se regista, tanto na Igreja como na sociedade, a tendência crescente para pedir uma aplicação muito limitada, ou melhor, a total abolição da mesma. (...)
A autoridade pública deve fazer justiça pela violação dos direitos pessoais e sociais, impondo ao réu uma adequada expiação do crime como condição para ser readmitido no exercício da própria liberdade. (...) não deixando, contudo, de oferecer estímulo e ajuda ao próprio réu para se corrigir e redimir.[cf. 9]
Claro está que, para bem conseguir todos estes fins,a medida e a qualidade da pena hão-de ser atentamente ponderadas e decididas, não se devendo chegar à medida extrema da execução do réu senão em casos de absoluta necessidade, ou seja, quando a defesa da sociedade não fosse possível de outro modo. Mas, hoje, graças à organização cada vez mais adequada da instituição penal, esses casos são já muito raros, se não mesmo praticamente inexistentes.
Em todo o caso, permanece válido o princípio indicado pelo novo Catecismo da Igreja Católica: “ na medida em que outros processos, que não a pena de morte e as operações militares, bastarem para defender as vidas humanas contra o agressor e para proteger a paz pública, tais processos não sangrentos devem preferir-se, por serem proporcionados e mais conformes com o fim em vista e a dignidade humana[cf. 9] “.
O
Papa Emérito Bento XVI, em 6 de setembro de 2007, ao discursar para
os membros da Comissão Internacional da Pastoral dos Cárceres(6),
mostrou seu pensamento:
“Os prisioneiros podem ser facilmente subjugados por sentimentos de isolamento, de vergonha e de rejeição que ameaçam as suas esperanças e aspirações para o futuro. Em tal contexto, os capelães e os seus colaboradores são chamados a ser arautos da compaixão e do perdão infinitos de Deus. Em cooperação com as autoridades civis, eles têm a grave tarefa de ajudar os encarcerados a descobrirem um sentido de finalidade, de tal forma que, com a graça de Deus, possam mudar a sua vida, reconciliar-se com as próprias famílias e os seus amigos e, na medida do possível, assumir as responsabilidades e os deveres que os hão de levar a uma vida recta e honesta no seio da sociedade.
As instituições judiciárias e penais desempenham um papel fundamental na tutela dos cidadãos e na salvaguarda do bem comum (cf.9). Ao mesmo tempo, elas têm o dever de contribuir para a reconstrução dos "relacionamentos sociais corrompidos pelo gesto criminoso cometido"(cf.10). Portanto, pela sua própria natureza estas instituições devem contribuir para a reabilitação dos agressores, facilitando assim a sua transição do desespero para a esperança, e da irresponsabilidade para a confiança.”
Em
outra ocasião, a 30 de novembro de 2011, na Audiência Geral, ao
fazer a saudação, em inglês(7), às delegações do encontro promovido pela Comunidade de santo Egídio, sobre o tema: não há justiça sem vida, Bento XVI disse:
“Eu expresso minha esperança que vossas deliberações possam encorajar iniciativas políticas e legislativas promovidas em um número crescente de países, para revogar a pena de morte e continuar os progressos substanciais realizados na forma da lei penal à dignidade humana dos encarcerados e para a manutenção efetiva da ordem pública.”
Assim,
tivemos uma visão geral do assunto Pena de Morte, sob a ótica de
três Papas, e percebemos a importância do tema para o cristão.
Neste Ano da Misericórdia, em que somos chamados a praticar atos de
misericórdia, dando nosso testemunho concreto da fé, é necessário
que estejamos atentos às necessidade dos que sofrem e estejamos,
sempre, dispostos a defender a vida.
E
é sempre importante lembrar que Jesus foi um preso condenado à pena
de morte, injustamente. Conforme está nas Escrituras:
Mt
26, 55(11)
_ Jesus "falou: Saístes armados de espadas e porretes
para prender-me, como se eu fosse um malfeitor. Entretanto, todos os
dias estava eu sentado entre vós ensinando no templo e não me
prendestes.
Lucas,
23,41(12)
_ Um dos malfeitores, crucificado ao lado de Jesus, disse: "Para
nós isto é justo: recebemos o que mereceram os nossos crimes, mas
este não fez mal algum."(11)
Para
encerrar, deixo aqui o chamamento de Papa Francisco, em fevereiro
deste ano(8):
“Todos os cristãos e pessoas de boa vontade são chamados hoje a trabalhar não só para a abolição da pena de morte, mas também com o fim de melhorar as condições das prisões, no respeito pela dignidade humana das pessoas privadas de liberdade.”
Notas
- Papa Francisco, Mensagem ao VI Congresso Mundial Contra a Pena de Morte (21/06/2016). Disponível em: http://w2.vatican.va/content/francesco/es/messages/pont-messages/2016/documents/papa-francesco_20160621_videomessaggio-vi-congresso-contro-pena-di-morte.html Acesso em 22/06/2016.
- Portal da Rádio Vaticano, Papa apelou a consenso internacional contra a pena de morte (21/02/2016). Disponível em: http://pt.radiovaticana.va/news/2016/02/21/papa_apelou_a_consenso_internacional_contra_a_pena_de_morte/1210246 Acesso em 23/06/2016.
- Papa Francisco, carta ao Presidente da da Comissão Internacional contra a Pena de Morte (20/03/2015) Disponível em: http://w2.vatican.va/content/francesco/pt/letters/2015/documents/papa-francesco_20150320_lettera-pena-morte.html Acesso em 23/06/2016.
- Papa Francisco, Carta aos participantes do XIX Congresso Internacional de Direito Penal e III Congresso da Associação Latino-Americana de Direito penal e Criminologia (30/05/2014). Disponível em: https://w2.vatican.va/content/francesco/pt/letters/2014/documents/papa-francesco_20140530_lettera-diritto-penale-criminologia.html Acesso em 22/06/2016.
- Papa João Paulo II, Carta Encíclica EVANGELIUM VITAE, parágrafos 9, 40, 41, 54, 56. Disponível em: http://w2.vatican.va/content/john-paul-ii/pt/encyclicals/documents/hf_jp-ii_enc_25031995_evangelium-vitae.html Acesso em 22/06/2016.
- Papa Bento XVI, Discurso para os membros da Comissão Internacional da Pastoral dos Cárceres (06/09/2007). Disponível em: https://w2.vatican.va/content/benedict-xvi/pt/speeches/2007/september/documents/hf_ben-xvi_spe_20070906_pastorale-carceraria.html Acesso em 22/06/2016.
- Papa Bento XVI, Saudação, em inglês (30/11/2011). Disponível em: http://w2.vatican.va/content/benedict-xvi/en/audiences/2011/documents/hf_ben-xvi_aud_20111130.html Acesso em: 23/06/2016.
- Portal G1: Mundo, Papa Francisco pede proibição mundial à pena de morte (21/02/2016). Disponível em: http://g1.globo.com/mundo/noticia/2016/02/papa-francisco-pede-proibicao-mundial-pena-de-morte.html Acesso em: 23/06/2016
- Catecismo da Igreja Católica, parágrafos 2262, 2266 e 2267. Disponível em: http://www.vatican.va/archive/cathechism_po/index_new/p3s2cap2_2196-2557_po.html Acesso em 23/06/2016.
- Compêndio da Doutrina social da igreja, parágrafo 403. Disponível em: http://www.vatican.va/roman_curia/pontifical_councils/justpeace/documents/rc_pc_justpeace_doc_20060526_compendio-dott-soc_po.html Acesso em: 23/06/2016.
- Bíblia Sagrada, Mt 26,55. Disponível em http://www.bibliacatolica.com.br/biblia-ave-maria/sao-mateus/26/ Acesso em 23/06/2016.
- Bíblia Sagrada, Lc 23,41. Disponível em: http://www.bibliacatolica.com.br/biblia-ave-maria/sao-lucas/23/ Acesso em 23/06/2016.
- Imagem: autoria desconhecida.
Autoria do texto: Betania Tavares.