Sobre as revelações de Santa Brígida – Parte 1
– (Dom Estêvão Bittencourt)
A. Autenticidade
1. Santa Brígida
deixou uma produção literária caracterizada principalmente por oito livros
ditos de «Revelações» («Revelationes», no original latino) e um escrito
suplementar intitulado «Extravagantes» (este contém as revelações que não
foram, de inicio, compreendidas na coleção dos oito livros, ficando por isto a
«vaguear por fora»).
Tratam da vida de
Jesus Cristo, da Virgem SS., do céu, do purgatório, do inferno, do problema do
mal; contêm também exortações do Imperador do Céu aos Reis da terra, mensagens
dirigidas aos Sumos Pontífices, sentenças concernentes a pessoas particulares,
etc.
2. Como julgar a
autenticidade de tais oráculos?
A fim de responder
devidamente à questão, deveremos levar em conta o modo como se originaram os
ditos livros.
Depois
que enviuvara, quando residia em Alvastra, Sta. Brígida, incitada pelo próprio
Senhor (como narram os biógrafos), pediu um dia a seu diretor espiritual, o
monge cisterciense Pedro Olafsson, que recolhesse de seus lábios as revelações
divinas que ela havia de receber e as traduzisse para o latim. Pedro Olafsson,
depois de recusar, aceitou o encargo, tomando como colaborador o sacerdote
Pedro de Skeninge, confessor da santa.
Estes
dois eclesiásticos acompanharam Brígida em Roma, sendo que na Cidade Eterna a
santa recebeu de Deus a ordem de aprender o latim; possuindo esta língua,
far-se-ia compreender pelas pessoas que desconheciam o idioma sueco; poderia
também controlar as traduções latinas das revelações que ela ditava em êxtase.
Entende-se, não lhe tenha sido fácil estudar a gramática latina na idade
aproximada de cinquenta anos em que se encontrava; experimentava muito maior
atração pela visita aos santuários de Roma; contudo a Virgem SS., sem lhe
proibir esta devoção, incitava-a a prosseguir energicamente no estudo (cf.
Revelationes 1. V cc. 105 e 46). A partir de 1368 um terceiro cooperador entrou
em ação: era o bispo Afonso de Vadaterra, que renunciara à sua diocese de Jaen
para entrar na Ordem dos Eremitas de S. Agostinho em Roma; incumbia-lhe a
tarefa de rever as traduções feitas por Pedro Olafsson e Pedro de Skeninge, e
distribuí-las em capítulos e livros; a ele se devem a série dos oito livros de
«Revelações» (como ela hoje se apresenta) bem como a compilação das
«Extravagantes».
Pois bem. A crítica
sadia em nossos tempos julga que os três Secretários deram, cada qual, algo de
próprio para elaborar o texto das visões tal corno ele chegou até nós; tinham
mesmo licença para acrescentar colorido e ornamento («coloribus et
lineamentis») às palavras de S. Brígida. Sendo assim, torna-se difícil
distinguir nas «Revelações» de S. Brígida as partes que provêm genuinamente da
Santa, e aquelas que se devem, antes, aos respectivos Secretários. É certo que
não se pode atribuir o texto diretamente a S. Brígida; inegàvelmente, porém,
tem-se a impressão de que várias passagens refletem os autênticos traços da
personalidade forte e severa de S. Brígida. Admitida esta conclusão, abre-se
ulterior questão: e esses trechos que parecem depender realmente de S. Brígida,
até que ponto terão sido revelados ou sugeridos à Santa pelo próprio Deus? Esta
última questão tem que ficar aberta ou sem resposta, pois não há dados
suficientes para a elucidar.
3. No
séc. XIV acendeu-se árdua controvérsia em torno da autenticidade das
«Revelações» de S. Brígida. Eram-lhes infensos os conciliaristas, isto é, os
teólogos que atribuíam a autoridade máxima na Igreja aos Concílios Ecumênicos,
e não aos Papas; já que as mensagens de Brígida tanto valor davam ao poder
papal (insistindo na absoluta necessidade de que o Pontífice voltasse de
Avinhão a Roma, para o bem da S. Igreja), entende-se que os conciliaristas
tendessem a depreciá-la e rejeitá-las. Está claro, porém, que a posição
preconcebida dos conciliaristas não pode servir de critério no caso.
Quanto às autoridades
eclesiásticas, têm-se pronunciado favoravelmente às «Revelações».
Tenham-se
em vista, por exemplo, as palavras do Papa Bonifácio IX, que canonizou a Santa:
«Por
graça do Espírito Santo, Brígida mereceu ver, ouvir e, em espírito profético,
anunciar muitas mensagens e revelações, das quais não poucas já se cumpriram na
realidade, tais como estão descritas nos volumes de suas Revelações» (Acta
Sanctorum, outubro, t. IV, pág. 470).
Já
anteriormente os Papas Gregório XI (+1378) e Urbano VI (+1389) haviam aprovado
os oito livros das Revelações.
É de notar, porém, que
tais aprovações não equivalem a definições infalíveis. Os Papas nunca tiveram a
intenção de impor revelações privadas à crença dos cristãos; após a morte do
último dos Apóstolos não há mais Revelação de fé na Igreja. É, aliás, o Papa
Bento XIV em 1767 quem o afirmava na sua obra monumental sobre «A beatificação
dos Servos de Deus»: que pensar, interroga ele, a respeito das revelações
particulares aprovadas pela Igreja, como são, por exemplo, as das Stas.
Hildegardes, Brígida e Catarina de Sena? Responde: «Não podemos nem devemos dar
a essas revelações, ainda que aprovadas, um assentimento de fé católica
(sobrenatural); podemos, porém, prestar-lhes assentimento de fé meramente
humana, de acordo com as regras da prudência, que insinua serem tais revelações
prováveis e dignas de piedosa crença» (1. EU, c. 53 n.-15).
Destas palavras
depreende-se com clareza que as «Revelações» de S. Brígida não fazem parte do
depósito da fé; por conseguinte, o seu valor há de ser aquilatado à luz das
normas da prudência humana. Ora, já que, de um lado, tais mensagens não contêm
afirmação contrária aos dogmas de fé e, de outro lado, sempre haviam estimulado
a piedade, Bento XIV e os Pontífices seus antecessores as declararam dignas de
piedosa crença. Tal juízo, porém, baseado em critérios de prudência humana,
poderia ser reformado, caso outras razões de prudência o exigissem.
Justamente a crítica
moderna, reconsiderando as circunstâncias e as etapas às quais se devem os
livros das «Revelações» de Santa Brígida, julga haver motivo para reservas
sobre a autenticidade desses escritos (como foi dito atrás, estão distanciados
de S. Brígida pela mediação de secretários, redatores, tradutores,
compiladores...). Por conseguinte, a própria prudência em nossos dias recomenda
não se dê irrestrito crédito a quanto se acha nos escritos atribuídos a Santa
Brígida.
Eis
algumas afirmações ocorrentes nas «Revelações», e comuns entre os medievais, a
respeito das quais os estudiosos modernos nutrem certas dúvidas (note-se bem
que não se trata de assuntos dogmáticos, mas de temas de história apenas):
-
o Apóstolo São João teria sido primo de N. S. Jesus Cristo, conforme Revel.
110, 35;
- Santa
Petronilha teria sido filha de São Pedro, de acordo com Revel. VI 93;
- São
Dionísio, padroeiro da França, haveria sido o Areopagita convertido por São
Paulo e enviado de Roma à Gália para pregar o S. Evangelho (1. IV c. 21, 103s);
- em
Roma podem-se comemorar 7.000 mártires diferentes em cada dia do ano (Revel.
III 27);
- o
Imperador Trajano, mediante as preces de S. Gregório Magno, haveria sido
libertado do inferno e introduzido na bem-aventurança celeste (1. IV, c. 13).
A fim
de não se cometer injustiça, torna-se mister notar o seguinte: - o fato de que
tais.afirmações sejam inverossímeis ou mesmo falsas, não impede que o Espírito
Santo tenha realmente manifestado a S. Brígida certos traços e episódios de
suas Revelações, como insinuava o Papa Bonifácio IX no trecho que atrás
transcrevemos.
Em conclusão, visto que
é difícil, se não impossível, determinar o grau de autenticidade ou de
revelação divina dos escritos atribuídos a S. Brígida, convém manter sobriedade
no uso dos mesmos. Tenha-se, aliás, por certo que no depósito comum da fé, ou
seja, no Credo diretamente comunicado por Cristo aos Apóstolos, todo homem
encontra os elementos de que necessita para a sua santificação; o subsídio das
revelações particulares não é essencial ao aperfeiçoamento da vida cristã.
Fonte:
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