Sobre as promessas a Santa Brígida – (Dom
Estêvão Bittencourt)
Em síntese: As promessas atribuídas a
Jesus em colóquio com Santa Brígida são revelações particulares, que não exigem
fé, mas podem não ser aceitas por quem não veja aí as devidas credenciais. É de
notar também que não se conquista a salvação sem contínua vigilância e
fidelidade à graça divina.
Estão difundidas entre os fiéis católicos as promessas atribuídas a
Jesus em colóquio com Santa Brígida (1302-1373). Sugerem um tipo de piedade que
pode ser muito atraente, mas é discutível. A seguir, examinaremos mais
atentamente a questão.
O TEXTO-BASE
Santa Brígida da Suécia (+ 1373) tornou-se viúva e fundou um mosteiro de
monjas cistercienses. Recebeu valiosos dons do Senhor, entre os quais as
seguintes promessas:
OS SETE PAI NOSSOS

Não terão que passar pelo purgatório.
Aceitá-los-ei no Coro dos Mártires como se tivessem derramado o seu
sangue pela fé.
Conservarei 3 almas dos seus parentes na graça santificante conforme sua
escolha.
As almas dos seus parentes até o 4º grau escaparão do inferno.
Um mês antes de sua morte ser-lhe-é dado conhecimento dela.
Se por acaso Irã morrer antes dos 12 anos completos, irei julgar como se
fossem as condições cumpridas.
Papa Inocêncio X confirmou esta revelação e acrescentou que as almas
cumpridoras das condições libertarão cada 6ª feira Santa uma alma do
purgatório. A esta devoção, facilmente, se unirá a veneração e o oferecimento
das santas chagas do nosso Salvador; pois das Suas chagas brotou o precioso
Sangue. O Redentor recomendou este exercício à irmã Maria Marta Chambon e lhe
deu grandes promessas a respeito deste.
¹E por que tantas orações durante 12 anos? – Respondem que o número de
orações deve igualar o de gotas de sangue derramadas por Jesus desde que nasceu
até morrer: 61.382 gotas! (N.d.R.).
QUE DIZER?
Proporemos sete observações:
1) As promessas a Santa Brígida pertencem ao acervo das revelações
particulares, revelações que não constituem artigos de fé. Cada cristão está
livre para examiná-las; ele as aceitará ou não de acordo com as credenciais –
válidas ou não – que justifiquem a fé em cada caso.
2) Argumenta-se: “O Papa Inocêncio X aprovou a aceitação das promessas a
Santa Brígida”. Respondemos:
a) A aprovação dada pelo Papa está imprecisamente formulada e deixa
dúvidas sobre a autenticidade do pronunciamento de Inocêncio X;
b) mesmo quando a aprovação é autêntica, ela pode significar apenas que
o texto aprovado não contém heresia, mas não é a melhor explanação do assunto
considerado.
3) Voltando-nos agora para o conteúdo das promessas, verificamos que se
ressentem de imperfeita redação. Com efeito, dão a entender que o purgatório é
um cárcere e que periodicamente é dada à anistia a algum presidiário (ou alma
do purgatório). Esta concepção é falsa; o purgatório é um estado póstumo em que
a Misericórdia Divina concede às almas dos fiéis defuntos arrepender-se
radicalmente dos seus eventuais resquícios de pecado. Ninguém pode deixar esse
estado sem se ter libertado das escórias do pecado, pois não se pode contemplar
Deus face-a-face com resquícios de pecado (sabemos que o pecado, mesmo depois
de absolvido, deixa a raiz do pecado profundamente arraigada na alma do
penitente). As almas do purgatório querem elas mesmas purificar-se das
escórias, por um repúdio total, ou com outras palavras, querem terminar de
preparar sua veste nupcial para entrarem com dignidade na ceia da vida eterna.
4) Mais: a salvação não pode ser conquistada ou comprada de modo
definitivo mediante tal ou tal prática de piedade; ninguém tem certeza de estar
salvo enquanto peregrina neste mundo. A piedade ajuda a santificação do
indivíduo, mas não o dispensa de estar vigilante contra os ataques do mal.
5) O conteúdo teológico dos escritos de Santa Brígida é tão falho que
provocou um debate a respeito nos Concílios de Constança (1414-1418) e Basiléia
(1431-1449) e inspirou ao teólogo João Gerson (1363-1429) a redação da
obra “De probatione spirituum” (Sobre o discernimento dos espíritos).
6) Com estas observações não queremos desestimular a piedade. Esta é uma
grande virtude e precioso dom de Deus, mas é para desejar que esteja
fundamentada sobre bases sólidas, ou seja, na Escritura e na Tradição tais como
no-las entrega o magistério da Igreja. Sabiamente diziam os antigos: “Lex
orandi lex credendi. – O modo como nós oramos é o modo como cremos”. Pelas
normas e fórmulas de oração se pode introjetar muito erro teológico.
7) A mais valiosa fonte de confiança do cristão é a premissa de que Deus
nos amou primeiro (1Jo 4, 19) e nos ama irreversivelmente apesar de nossas
deficiências. Como filhos e filhas de Deus, dirigimo-nos ao Pai numa atitude
filial, que ousa tudo esperar, pois sabemos que “Ele quer dar muito mais do que
nós ousamos pedir” (Missal Romano).
Na obra CATHOLICISME, vol. II p. 273
escreve o prof. G. Marsot:
“Apesar da aprovação, meramente fantasiosa dada pelo Papa Inocêncio X,
fica bem claro que se trata de uma prática supersticiosa. Se alguém não o percebe,
é necessário fazer que o veja”. ¹
APÊNDICE
QUEM FOI SANTA BRÍGIDA?
A personalidade de Santa Brígida da Suécia, que tanto se projetou na
história, merece atenção.
Brígida ou Birgitta nasceu por volta de 1303, de família ligada à Casa
Real da Suécia. Tinha cerca de treze anos quando esposou Ulf-Gurdmarson,
príncipe de Nericle, com o qual teve oito filhos, entre os quais Santa Catarina
da Suécia. Ao regressarem de uma peregrinação a Compostela (Espanha), os dois
esposos combinaram entre si entrar cada qual num mosteiro. Ele ingressou na
Ordem dos Cistercienses em Alexandria, onde faleceu pouco tempo depois, ou
seja, em 1344. Brígida fixou residência perto deste mosteiro, cuja
espiritualidade muito a influenciou.
¹Outro fato significativo: A partir do século XVI circula uma coletânea
de quinze orações referentes à Paixão do Senhor Jesus, atribuída a Sta. Brígida
da Suécia. O texto é piedoso, mas é utilizado de maneira singular. Com efeito,
o prólogo dessa coletânea diz que Jesus trazia 5.460 chagas e, por isto, se
devem recitar diariamente as quinze orações, acompanhadas de quinze Pai Nosso e
quinze Ave Maria, de tal modo que ao cabo de um ano tenham sido recitadas 5.460
orações (15 x 365?); seriam tantas orações quantas chagas. Em recompensa quinze
pessoas da família do(a) orante seriam libertadas do purgatório, quinze
pecadores se converteriam, quinze almas justas seria confirmadas na graça. Os
lugares em que tais orações fossem recitadas seria preservados de incêndio e
enchentes. – Pois bem; tal prática, supersticiosa como é, foi explicitamente
condenada pelo Santo Ofício mediante decreto datado de 30 de junho de 1671.
Está proibida a divulgação da coletânea a não ser que se omita o prólogo.
Em breve começou a ter Revelações que a tornaram famosa ou uma quase
profetisa, que censurava os maus costumes da sociedade e principalmente se
empenhava, juntamente com Santa Catarina de Sena, pela volta dos Papas de
Avinhão para Roma.
Em 1363 aproximadamente, fundou a Ordem de São Salvador em Linkoepling
(Suécia), cuja Regra foi aprovada por Urbano X em 1370. Em 1371 foi em
peregrinação a Terra Santa com sua filha Catarina. Ao voltarem, foram residir
em Roma, onde Brígida veio a falecer em 1373. Foi canonizada pelo Papa
Bonifácio IX em 1391.
Brígida deixou oito livros de Revelações ditadas em língua sueca a
secretários. O texto foi traduzido para o latim e finalmente repartido em
livros. Desta maneira foi assaz remanejado, dando lugar a possíveis alterações
do pensamento original da Santa. Julga-se, porém, que de modo geral foi
guardada fidelidade aos originais. Essas Revelações descrevem, de maneira muito
viva, cenas da Paixão do Senhor assim como os acontecimentos finais da
história. O purgatório aí aparece terrificante. Refletem o modo de pensar da
época: Dionísio Areopagita (At 17, 33) terá sido feito Bispo de Paris; São
Pedro terá tido uma filha chamada Petronilha, a comunidade cristã de Roma é tão
benemérita que a cada dia do ano mcelebra a memória de 7.000 mártires; os
presbíteros que caem na heresia perdem a faculdade de consagrar a Eucaristia,
os sacerdotes infiéis perdem a faculdade de absolver os penitentes, a pedido do
Papa S. Gregório Magno, o imperador Trajano terá sido retirado do inferno e
introduzido na bem-aventurança celeste (como pensava Dante Alighieri); se as
crianças nascessem em estado de inocência, atingiriam logo a estatura de
adultos. Em suma, tem-se a impressão de que Brígida, ou seus tradutores,
colocaram nessas Revelações um tanto das suas próprias concepções.
Frente às Revelações manifestaram-se logo o apoio de uns e a discórdia
de outros. Os Concílios de Constança (1414-18) e de Basiléia (1431-49)
examinaram esses escritos, a ponto que em Basiléia houve teólogos que pediram a
condenação de 123 artigos extraídos dessas obras. A condenação, porém, foi
evitada por obra do frade dominicano João de Torquemada. Tal era o prestígio de
que gozava Santa Brígida.
Revista: “PERGUNTE E RESPONDEREMOS”
D. Estevão Bettencourt, osb
Nº 527 – Ano 2006 – p. 228
D. Estevão Bettencourt, osb
Nº 527 – Ano 2006 – p. 228
Fonte: